Quando em 1759 o Abade José de Almeida Preto tomou posse da Paróquia de Alcafache, após a morte do seu antecessor, ficou escandalizado com as tradições que aqui se praticavam.
Era costume na freguesia haver largada de touros durante os festejos dos vários santos da freguesia.
O reverendo abade deverá ter tentado demover a população de fazer estes festejos, mas sem sucesso tendo por isso pedido o auxílio régio.
Uma das festas em que se costumava fazer largada de touros era na de N.ª Sr.ª dos Prazeres, em que os mordomos tinham que providenciar os touros. Caso tal não acontecesse, os mordomos eram gozados pela restante população que, mascarada, com chocalhos, buzinas e outros instrumentos ruidosos, percorria os povos da freguesia imitando o enterro de um dos mordomos, retratado por um boneco num esquife.
O Rei atendeu a pretensão do abade e ordenou, em 1764, o fim de tal festejos, assim como penas para quem o realizasse ou ajudasse na sua realização, tanto os mordomos como a restante população. A pena mais severa era a prisão no Limoeiro, uma cadeia em Lisboa, e o confisco dos bens para a Coroa.
E assim, acabou uma tradição de tempos remotos.
Transcrevemos a seguir a Ordem enviada pelo Rei ao Corregedor de Viseu para fazer cumprir o que tinha decidido, publicada por Boaventura de Noronha[1].
1764, 5 Abril – Carta de D. José I para o Corregedor da Comarca de Viseu ordenando o fim das corridas de touros em Alcafache.
Arquivo da Câmara Municipal de Mangualde – Livro de Registos (ano 1763)
Dom José por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar, em África, Senhor da Guiné, etc., faço saber a vós Corregedor da Comarca de Viseu que José de Almeida Preto, Abade colado da paroquial Igreja de S. Vicente de Alcafache me representou por sua petição, que sendo Eu servido provê-lo na dita Igreja para reger, e encaminhar como pastor, as suas ovelhas para o Céu, sucedera achar entre elas, o bárbaro uso de festejar com touros o Povo nos dias de algumas festividades, como era na Dominica in Albis, em que os mordomos da Irmandade de Nossa Senhora dos Prazeres costumavam fazer festa popular com os ditos touros como também em outras festividades, de alguns santos, que se celebravam pelo decurso do ano, em que de ordinário sucedia haver bulhas, e morte como já tinha havido; e querendo o Suplicante evitar estes danos assim temporais, como espirituais, entrara a admoestar seus fregueses para que não usassem de semelhantes festejos no que se desculparam os ditos mordomos, que não queriam ser injuriados com a surra, a que chamam cortiçada que lhes fazia o povo quando não faziam a dita festa de touros, como o era e mascarando-se parte da plebe, usando buzinas, chocalhos, e batendo em cortiços e outros ridículos instrumentos para fazerem estrondo, e ludíbrio, aos ditos mordomos, discorrendo todos assim armados com paus por todos os povos da freguesia com uma estátua em um aparente esquife, fingindo um dos mordomos morto naquele injurioso enterro que findava em a queimarem em parte pública com muitas vozes: Morra Fulano!, cujo caso tinha sucedido na Dominica in Albis próximo passada; e como o Suplicante desejava que os seus fregueses vivessem todos em paz, e sossego nas suas consciências e não em abusos tão alheios do serviço de Deus, e das minhas Leis; me pedia fosse servido mandar que vós ou o Juiz de Fora de Azurara donde era termo a mesma freguesia de Alcafache, mandásseis nela deitar pregão que toda a pessoa que desse touros, ou concorresse para eles; ou fizessem cortiçadas, ou usassem de alguns instrumentos para eles fosse presa e remetida à sua custa para o Limoeiro, confiscados todos os seus bens para a minha Real Coroa. E visto seu requerimento e informação que sobre esta matéria me enviasteis: Hei por bem e vos mando que na freguesia de Alcafache se não corram touros com ponta e só na forma da Lei; e quando algum mordomo os não quiser dar, não seja por isso injuriado com a dita cortiçada; e todo o que se mascarar, e para ela concorrer e fizer ajustamento, incorrerá nas penas, dos que fazem assuadas, e procedereis pela mesma devassa para averiguação dos delinquentes; E esta Ordem fareis registar na Câmara e publicar por pregão, para todo o tempo constar que Eu assim o houve por bem.
[1] NORONHA, Boaventura de (1960) - Antigas corridas de Touros em Alcafache III. Notícias da Beira. Mangualde. 734, de 25-01-1960, p. 4.
1 Comment:
Afinal touros e touradas tambem eram tradicao nas nossas terras, por raio e que a igreja se tem que meter das tradicoes populares, e assim que vamos ficando mais pobres, culturalmente falando.
Creio que esta lei do seculo XVIII, deve ser muito apoiada pelos actuais contrarios as touradas, so que agora ja nao temos "Limoeiro".
Um abraco de amizade.
Ps: vou-lhe responder em breve ao seu email, nao o fiz ainda porque eu e a internet temos andado um pouco de mas relacoes!
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